quarta-feira, 11 de março de 2009

A poesia nossa de cada dia - Antiguidades

Gente, fiz uma lista de assuntos a escrever para voces, ( pelo tempo que estou ausente parece mentira, (mas tenham certeza, não é)como AMO poesias, quero dividir esta com voces. "Conheci" Cora Coralina fazendo tour em livrarias, pra mim é uma delícia passar horas folheando livros, revistas, tomando cafezinho( algumas oferecem esse serviço) , meditando sobre a forma do outro pensar. Assuntos diversos nos leva a conhecimentos diversos, e pra mim os livros são Grandes Amigos , pra todas as horas.Já desviei de várias armadilhas aplicando os conhecimentos neles adquirido.
Mas hoje o assunto é a poesia de Cora Coralina , especialmente esta, nos apresentada pelo seu olhar de como era ser criança lá pelos idos de 1895.
O que me encanta é o movimento que ela dá as palavras, vejo a cena se passar pelos meus olhos.
E o que toca o coração é a realidade que ela nos apresenta da época.

Cora Coralina (Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas), 20/08/1889 — 10/04/1985, é a grande poetisa do Estado de Goiás.


Antiguidades

Quando eu era menina
bem pequena,
em nossa casa,
certos dias da semana
se fazia um bolo,
assado na panela
com um testo de borralho em cima.

Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)

Eu era menina em crescimento.
Gulosa,
abria os olhos para aquele bolo
que me parecia tão bom
e tão gostoso.

A gente mandona lá de casa
cortava aquele bolo
com importância.
Com atenção. Seriamente.
Eu presente.
Com vontade de comer o bolo todo.

Era só olhos e boca e desejo
daquele bolo inteiro.
Minha irmão mais velha
governava. Regrava.
Me dava uma fatia,
tão fina, tão delgada...
E fatias iguais às outras manas.
E que ninguém pedisse mais !
E o bolo inteiro,
quase intangível,
se guardava bem guardado,
com cuidado,
num armário, alto, fechado,
impossível.

Era aquilo, uma coisa de respeito.
Não pra ser comido
assim, sem mais nem menos.
Destinava-se às visitas da noite,
certas ou imprevistas.
Detestadas da meninada.

Criança, no meu tempo de criança,
não valia mesmo nada.
A gente grande da casa
usava e abusava
de pretensos direitos
de educação.

Por dá-cá-aquela-palha,
ralhos e beliscão.
Palmatória e chineladas
não faltavam.
Quando não,
sentada no canto de castigo
fazendo trancinhas,
amarrando abrolhos.
"Tomando propósito".
Expressão muito corrente e pedagógica. Aquela gente antiga,
passadiça, era assim:
severa, ralhadeira.

Não poupava as crianças.
Mas, as visitas...
- Valha-me Deus !...
As visitas...
Como eram queridas,
recebidas, estimadas,
conceituadas, agradadas!

Era gente superenjoada.
Solene, empertigada.
De velhas conversar
que davam sono.
Antiguidades...

Até os nomes, que não se percam:
D. Aninha com Seu Quinquim.
D. Milécia, sempre às voltas
com receitas de bolo, assuntos
de licores e pudins.
D. Benedita com sua filha Lili.
D. Benedita - alta, magrinha.
Lili - baixota, gordinha.
Puxava de uma perna e fazia crochê.
E, diziam dela línguas viperinas:
"- Lili é a bengala de D. Benedita".
Mestre Quina, D. Luisalves,
Saninha de Bili, Sá Mônica.
Gente do Cônego Padre Pio.

D. Joaquina Amâncio...
Dessa então me lembro bem.
Era amiga do peito de minha bisavó.
Aparecia em nossa casa
quando o relógio dos frades
tinha já marcado 9 horas
e a corneta do quartel, tocado silêncio.
E só se ia quando o galo cantava.

O pessoal da casa,
como era de bom-tom,
se revezava fazendo sala.
Rendidos de sono, davam o fora.
No fim, só ficava mesmo, firme,
minha bisavó.

D. Joaquina era uma velha
grossa, rombuda, aparatosa.
Esquisita.
Demorona.
Cega de um olho.
Gostava de flores e de vestido novo.
Tinha seu dinheiro de contado.
Grossas contas de ouro
no pescoço.

Anéis pelos dedos.
Bichas nas orelhas.
Pitava na palha.
Cheirava rapé.
E era de Paracatu.
O sobrinho que a acompanhava,
enquanto a tia conversava
contando "causos" infindáveis,
dormia estirado
no banco da varanda.
Eu fazia força de ficar acordada
esperando a descida certa
do bolo
encerrado no armário alto.
E quando este aparecia,
vencida pelo sono já dormia.
E sonhava com o imenso armário
cheio de grandes bolos
ao meu alcance.

De manhã cedo
quando acordava,
estremunhada,
com a boca amarga,
- ai de mim -
via com tristeza,
sobre a mesa:
xícaras sujas de café,
pontas queimadas de cigarro.
O prato vazio, onde esteve o bolo,
e um cheiro enjoado de rapé.

Cora Coralina

6 comentários:

Lucia Laureano disse...

Tô gostando de ver movimento por aqui! Legal ver que o blog está andando.
Quanto a leitura, você sabe que foi minha grande incentivadora e como sabe já li os dois primeiros livros da serie Crepúsculo e já estou nas primeiras páginas do terceiro... Isso pode não parecer muito, mas para uma pessoa que a mais de 15 anos não lia um livro inteiro, podemos dizer que é uma senhora evolução!
beijos,

Verônica Cobas disse...

Rosa,

Tenho adorado a sua visita no blog Criative-se e seus comentários nos meus posts. Também achei super sensível, simpático e amoroso o comentário do Eduardo e disse isso a ele. No teu blog é a primeira visita. E com enorme alegria vejo um poema de Cora Coralina, de quem amo a simplicidade de um poema cantado, que nos inspira imediatamente a visualização. Gosto assim. Muito. E também amo horas achadas ( nunca perdidas) em livrarias. Viajo nas histórias, no folhear despreocupado, no cheiro de livro. Adoro cheiro de livro. Queria te dizer tudo isso e também te convidar para a leitura do meu novo post, que colocamos hoje no ar. Texto em primeira pessoa com relatos de histórias de viagem e de paixão. Quero ouvir teu comentário. Beijo grande. Veronica

Ah...também tenho um blog pessoal. É o www.eassimquesou.blogspot.com
Quando puder, visite também. bjs

Anônimo disse...

Olá Rosa!Passei por aqui para retribuir a sua visita! Estou curtindo muito essa nova fase da minha vida, principalmente porque essa gravidez foi muito desejada. Quero que saibas que aprendi muito com você, como profissional e pessoa, e com certeza me inspirarei sempre em vc e na nossa amiga Lúcia, no quesito mãe. Lembro como se fosse hj, vc desfilando o barrigão de um lado pro outro e num belo dia entrando pela recepção nos contando que é um menino.
Chão de Rosas já entrou na lista dos meus favoritos...
Agora não perderemos o contato e aproveita e manda um big beijo na Paty!

Lu Brasil disse...

Haha, ri muito do seu coment la no blog.
Ai esse poema é uma delicia, da ate pra sentir o cheiro do bolo sem vergonha.
Cora é de uma simplicidade que da vontade de chorar, beijos.

Kelly - Retrato de Mulher disse...

Oi Rosa... Que adoravel poema este... é inevitavel imaginar a cena, e até sentir o cheiro do bolo kkkk. Adorei !
Cá tbm estou atolada no trabalho... nos multiplos trabalhos que toda mulher tem no seu longo dia. Por conta disso tbm tenho postado muito menos vezes do que deveria e gostaria, mas sempre que sobra um tempinho passo por aqui para dar uma espiadinha.

Muitas Beijocas e tenha um otimo fim de semana.

Bete Maciel disse...

Maravilha seu Blog amiga e esse texto Cora é ótimo!
Muito sucesso pra você!
Beijo
Bete Maciel